sábado, 22 de outubro de 2016

O 7 DE SETEMBRO


Confesso: quando criança eu não gostava de desfilar nos desfiles de Sete de Setembro e Dia da Cidade pelas ruas de Cajazeiras. Era um misto de vergonha com pagar mico – palavra que não tinha esse significado à época. Já não chegava ter que cantar o hino nacional todo dia antes do início das aulas e recebendo bronca de professores porque alguns – me incluo - alunos cantavam o hino procurando ficar debaixo de árvores sombrosas, escapulindo do sol das treze horas! Era uma exigência do regime militar através da disciplina Educação Moral e Cívica.
No entanto, eu participava com o maior entusiasmo das marchas desses eventos cívicos. Desfilar pela Rua Padre Rolim, ou ficar parado em frente à prefeitura ouvindo as autoridades pelos alto-falantes – e nunca sabíamos o que elas realmente falavam em suas falações arrastadas e chatas - e recebendo bronca dos professores ou bedéis porque estávamos conversando ou dando pesqueiro, escondido, no coco dos colegas à frente, ou dando bronca e recebendo dos colegas que erravam os passos quando estávamos desfilando, fazia parte da festa. Internamente, nos pelotões em que estávamos, eram constantes as alto-broncas com os colegas: “olha pra frente, seu cara de buceta!”; “ô seu cara de cu, olha o alinhamento!”... E as respostas que se tinha de imediato eram: “vai dá o cu, seu fie de rapariga!”, “vai tomar na buceta da tua mãe, seu fresco!”... Eu não gostava de marchar, mas estava muito contente.
Ver o Tiro de Guerra desfilar também era algo inexplicável pela lente de minha infância, quando ainda não participava dos desfiles. Aqueles soldados todos uniformizados de verde, capacetes, coturnos de couro, perfilados ou marchando sincronicamente, sendo seguidos pela banda do próprio Tiro de Guerra, ouvindo o rufar das caixas e taróis e o som marcial das cornetas, era espetacular. O sol causticante era foda. Eu não gostava, mas no meu âmago, porém, estava lá muito contente.
Quem não gostava de ver aqueles pelotões estudantis desfilando pelas principais ruas de Cajazeiras, depois de mais de mês de ensaio nos colégios! Inda mais porque esses pelotões estavam entremeados por balizas, que eram aquelas meninas de shortinhos, as mais bonitas e as mais gostosas do colégio, agitando um pedaço de vara todo enfeitado, fazendo evoluções, abrindo as pernas num movimento de 180 graus. Ah, isso eu gostava, amava. O que eu não gostava era a espera e a rapidez com que as balizas passavam. Eu não gostava, mas estava muito contente.
Nessas datas cívicas de marchas tínhamos que acordar mais cedo. Minha mãe, mal abria o sol, já estava despejando a gente das redes. Eu não gostava, porém eu estava muito contente.
Então, como explicar esse troço de não gostar e estar muito contente? A questão era que, a responsável por esse meu contentamento se chamava Maria Pereira de Souza, minha mãe. Ela gostava que seus filhos fossem às ruas desfilar. Primeiro, porque, estávamos passíveis de recebermos penas no colégio, como suspensão ou diminuição nas notas, e minha mãe fazia de tudo para não sermos chamados na regulagem com o diretor. Ela não teve oportunidade de estudar em sua vida de gente de roça, por isso se desdobrava em tudo para sermos bons alunos. Sabia ler, e escrever, mas não teve formação escolar, como meu pai, que era autodidata e chegou a ser professor. Minha mãe teve que agüentar no braço a criação da reca de filhos.
Mas o entusiasmo mesmo que ela nos dava, a injeção de ânimo, vinha de outra fonte. Ela prometia para a gente, crianças, uma mesa farta no café antes de irmos pro desfile. E aí, como crianças, o olho glutão de termos à vontade, a bel-prazer: bolo de leite, bolo de ovos, bolo de chocolate, tapioca, ovos frito, pão aguado, pão carteira, pão doce, leite, suco, café, biscoito, queijo, sequilho, e outras guloseimas que a Independência do Brasil nos favorecia. Não dava para lamentarmos a degola de Tiradentes, herói do distante 21 de abril, nem os heróis do 7 de setembro, pois nesta data estávamos preocupados com o derrame culinário caseiro. Naquele momento de comilança, que se danassem os heróis da Independência do Brasil e de outras datas históricas. Em nossa visão infantil havia um contrato: vão ao desfile e tenham fartura!

Eduardo Pereira

E-mail: dudaleu1@gmail.com

Fonte: Blog da AC2B - Associação dos Cajazeirenses e Cajazeirados em Brasília - DF.

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